segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Entrevista com Ane-Marie Chartier

Residência à francesa

Formação inicial dos docentes franceses prevê quatro tipos diferentes de estágio. Segundo pesquisadora, isso garante que os professores em início de carreira assumam suas primeiras turmas de forma segura

Débora Didonê

A França, de onde vieram as antigas Escolas Normais, está bem à frente do Brasil quando se fala em formação inicial do professor. Lá, o profissional se forma em Institutos Universitários de Formação de Mestres (IUFMs) e não entra na sala de aula se não estiver seguro de sua função na escola – seja para assumir uma turma ou para se integrar à rotina da instituição. Para conhecer esse processo, semelhante ao que se propõe com a residência pedagógica brasileira, acompanhe uma entrevista com a pesquisadora francesa Ane-Marie Chartier, do Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, em Paris.

NOVA ESCOLA > Qual é o modelo de residência na França?
Ane-Marie Chartier > Nós não utilizamos o termo residência, como se diz na Medicina, e sim estágios em escola. São três os modelos: o de observação, quando o professor novato assiste ao que um docente experiente faz na sala de aula; o de prática acompanhada, quando o novato passa atividades à turma do veterano, sob orientação dele; e o de responsabilidade, quando o estagiário assume a sala de aula enquanto o titular da turma é liberado para um período de formação contínua. Estes duram de um a três meses. Neste ano, foi criado um quarto modelo de estágio. Durante um ano, uma vez por semana, o estagiário assume a sala de aula de um docente mais experiente.

NE > Como é a seleção dos professores nas IUFMs?
Ane-Marie > O professor dos anos iniciais é formado por Institutos Universitários de Formação de Mestres (IUFMs), que exigem um diploma correspondente ao da conclusão do Ensino Médio. Esse diploma pode ser de qualquer especialidade, até de Enfermagem. No primeiro ano, o novato estuda para o concurso de admissão, quando faz provas escritas de Francês, de Matemática e de uma disciplina científica a sua escolha (História e Geografia, Física e Tecnologia ou Biologia e Geologia). No teste prático, há prova de Educação Física e uma disciplina de Arte, a escolher (Artes Plásticas, Música ou Literatura Juvenil). No fim, há uma prova oral eliminatória sobre a profissão, em que se comentam textos específicos ou se debate sobre a atualidade. Em seguida, o novato se torna funcionário público estagiário, com direito a um salário inicial, e faz os estágios de observação ou de prática acompanhada. No segundo ano, passa pela formação profissional prática, quando faz o estágio de responsabilidade.

NE > Além dos estágios, o que mais é preciso para o professor assumir definitivamente uma sala de aula?
Ane-Marie > Além dos cursos feitos em uma IUFM em cada disciplina de ensino, o estagiário deve redigir uma monografia de 30 páginas sobre um tema de sua escolha (por exemplo, como alunos de 9 a 10 anos podem usar o computador em Matemática ou dificuldades comuns em ortografia), sempre baseado em pesquisas e obras pedagógicas de consulta e também com sua prática nos estágios. O trabalho, que ajuda o professor a aliar teoria e prática, é defendido pelo novato em uma banca no fim de um ano.

NE > O professor recebe também noções de gestão durante seus estágios?
Ane-Marie > Se for gestão de sala de aula, relacionado à autoridade, à relação com as crianças, às disciplinas, existe uma preparação nos estágios de observação e nos estágios em responsabilidade. Quanto à gestão administrativa, há uma preocupação mais superficial. Os estagiários aprendem nas próprias escolas o que eles devem fazer nos quesitos responsabilidade, segurança, controle de presença, socorro em caso de emergência, entre outros. Além disso, o tema é tratado nas aulas de formação geral. No segundo ano da IUFM, existem análises de práticas, que consistem em pedir a um ou dois participantes que apresentem casos em que encontraram dificuldades para discussão. O objetivo não é necessariamente achar uma solução, mas fazer com que o profissional partilhe de suas preocupações com os colegas.

NE > Qual a relação ideal entre o curso de formação, o estagiário e a escola onde ele atua?
Ane-Marie > Enquanto o estagiário está na sala de aula, o formador vai assisti-los e dar conselhos. Como há dois estágios, em dois níveis diferentes, se um não correu bem, o novato tem chance de se recuperar em outro. Ele recebe visita de pelo menos três formadores diferentes. E também é observado e orientado pelo titular da turma em que estagia.

NE > O que é levado em conta na avaliação do estagiário?
Ane-Marie > Existem dois critérios de avaliação. Um é a capacidade de estabelecer uma relação conveniente com os alunos, de conduzir o trabalho, de ser respeitado na escola. Outra é o investimento que ele faz no trabalho, se usa bem seu material de ensino, se prepara boas aulas, se corrige com cuidado os cadernos, se tem boas iniciativas. Dificuldades e erros didáticos são tolerados, já que se trata de um cuidado com a aptidão de ensinar, e não de ter domínio da profissão. Estagiários considerados inaptos não são efetivados. Voltam a estudar e são reexaminados no ano seguinte, quando podem ser admitidos ou não – isso acontece com apenas 1 a 2% dos estagiários.

NE > Como essa formação prática se reflete nas escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental francesas? Você avalia que os professores se sentem seguros na profissão?
Ane-Marie > Sim, creio que são suficientemente bem preparados e bem vistos pelos supervisores. A maior dificuldade encontrada, especialmente na classe média, é no contato com crianças de camadas populares. Nesse sentido, ainda se considera a formação inicial muito curta. Há dois anos, existe a formação contínua obrigatória de 10 dias nos dois primeiros anos na função, quando o professor novato recebe ajuda dos coordenadores pedagógicos e supervisores e dos formadores para se adequar às escolas.

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